Em um recém-instaurado inquérito, cujo
número é 902-00048/2012 e que está em poder da Delegacia de Combate às
Drogas do Rio, ele é acusado de encenações de cura pela fé, estupro,
tortura de crianças e relações criminosas com os marginais aos quais
esbravejava promessas de “salvação do demônio”. VEJA teve acesso a
trechos da investigação, um conjunto de relatos de gente que diz ter
sido vítima ou testemunha da perversidade do pastor. Um de seus homens
de confiança durante mais de seis anos, longe da igreja há dois, traz à
luz uma história escabrosa, que dá a dimensão de como o pastor se
enfronhou no mundo do crime. Essa testemunha sustenta, por exemplo, que
Marcos ficou claramente do lado dos bandidos que engendraram a mais
sangrenta onda de terror no Rio, em 2006. Depois dos ataques, reuniu seu
séquito mais íntimo em uma churrascaria. “Ele queria que os bandidos
tivessem até explodido a Ponte Rio-Niterói. O objetivo era aparecer
depois como o intermediário salvador”, conta o ex-fiel. A trama piora na
voz de outra testemunha, que situa o pastor como braço operacional da
selvageria. “Marcos foi ao presídio de bangu 1 e saiu de lá com um
recado dos chefões do tráfico para que suas quadrilhas dessem sequência à
carnificina”, rememora. Como sabe disso? “O pastor me encarregou de
repassar a ordem nas favelas. E foi o que eu fiz.”
A polícia já colheu uma dezena de
depoimentos, e muitas das histórias se repetem nos mínimos detalhes. A
investigação começou há duas semanas, depois que o coordenador da ONG
Afro- Reggae, José Junior,
43 anos, veio a público denunciar que o pastor tinha um plano para
matá-lo. A informação vinha de integrantes da própria igreja. “Trata-se
de um psicopata”, dispara Junior, que hoje tem a seu lado na ONG um
antigo braço direito de Marcos, o pastor Rogério Ribeiro de Menezes, 39
anos. Afastado do templo de Marcos desde 2008, ele fala pela primeira
vez sobre os dezessete anos que viveu sob suas asas. Tomou a decisão
depois de ter sido ameaçado de morte três vezes — na última, os
traficantes de uma favela esfregaram um fuzil contra seu rosto e
pronunciaram o nome Marcos.
Seu depoimento ajuda a elucidar o que
tanto unia o pastor aos traficantes que ele dizia “curar”, e certamente
não era a fé. Não raro, Marcos lhe pedia que escondesse mochilas cheias
de dinheiro em sua casa. Contou duas vezes a coleção de notas. “Numa
delas, havia 200 000 reais. Na outra, 400 000 reais”, lembra Rogério.
Detalhe: traziam resquícios de cocaína e crack. Segundo Rogério, o
pastor cobrava até 20 000 reais para pregar nas favelas, o que os
traficantes pagavam de bom grado, já que assim mantinham sua base
assistencialista. Três deles chegaram a ser presos em propriedades da
igreja do pastor, no Rio e no Paraná, mas a polícia nunca comprovou que
estavam ali com a conivência do religioso. Todos pagaram uma taxa
equivalente a 10% de tudo o que haviam acumulado no crime.
Em seu templo, o fundador é tão
reverenciado quanto temido. Até hoje, manteve todos em silêncio à base
de benesses e ameaças. Duas mulheres contam como a igreja se tornou um
show de horrores no qual lhes cabia o papel de vítimas do pastor. Ambas
dizem que foram violentadas sexualmente por ele diversas vezes. À
polícia, uma das moças afirma ainda que Marcos obrigava as fiéis de sua
preferência a manter relações sexuais com outros homens, em orgias das
quais também participava. “Depois, mandava a gente confessar tudo com
outro pastor, sem revelar nomes, é claro”, ela conta. Constam ainda do
inquérito denúncias de crueldades contra crianças que o pastor mantinha
sob sua guarda, em geral abandonadas pelos pais. Uma delas, de 7 anos,
teria pago caro por testemunhar, casualmente, as peripécias sexuais do
religioso. Ao se dar conta, o pastor agarrou-a pelos cabelos e
lançou-lhe a cabeça no vaso sanitário, segundo um dos relatos à polícia.
Ex-garçom, o pastor Marcos é casado e
tem dois filhos que já seguem seus passos no mundo da fé. Convertido em
1989, fundou sua igreja dois anos depois e constituiu ali um reinado de
trevas. Proíbe refrigerante, rádio, televisão (apesar de ter um telão em
seu gabinete) e remédios, já que a igreja se encarrega da cura (aos que
pagarem uma taxa extra via boleto bancário, distribuído durante a
pregação). Os cultos, que juntam até 15 000 pessoas, são barulhentos e
teatrais — literalmente, segundo narra um ex-assessor do pastor, que
ajudava a armar o show: “Ele dava dinheiro a viciados para comprarem
droga, filmava a turma em degradação e depois levava para a igreja, como
se os estivesse salvando”. Na última segunda- feira, um rapaz adentrou a
Assembleia de Deus dos Últimos Dias de muletas, que usava desde um
acidente que lhe machucara o fêmur. Depois das orações do pastor Marcos,
caminhou em frente aos fiéis dizendo-se curado. Findo o culto, subiu na
mesma moto que havia conduzido na viagem de ida à igreja e foi embora.
Pr Marcos Pereira na carceragem da 39 DP/RJ
Fonte: Revista Veja | Divulgação: Midia Gospel
Nenhum comentário:
Postar um comentário