Pastora Ana Lucia do ‘Esquenta’ vira fenômeno na Internet
Há um culto em torno da pastora Ana
Lúcia. E ele não se resume às cerca de 150 pessoas reunidas no pequeno e
modesto templo instalado no primeiro andar de sua casa, numa rua
estreita em Belford Roxo. Desde o ano passado, outras 300 mil — entre
elas, a apresentadora Regina Casé, fiel seguidora — se deixaram levar
pelo carisma e pela voz incrivelmente soul da religiosa, por meio de um
vídeo no YouTube com o registro de uma inflamada apresentação em uma
igreja de Nova Iguaçu.
Vídeo Igreja Pastora Ana Lucia do ‘Esquenta’
Na gravação, de pouco mais de oito
minutos, a pastora, ligada a uma igreja neopentecostal, se diferencia
radicalmente de outros nomes da música gospel, um gênero que tem se
mantido imune à crise da indústria fonográfica (exemplo disso é o CD e
DVD "O poder da aliança", da pastora Ludmila Ferber, que, lançado em
agosto do ano passado, já vendeu 109 mil cópias).
Mas, comparada à comportada Ludmila, a
pastora Ana Lúcia parece vir de um outro mundo, bem mais quente.
Cantando a música "Vem comigo dando glória", um hit de suas
apresentações, ela surge no vídeo totalmente possuída pelo ritmo criado
pela sua banda de fé, os Gideões, formada por ex-pagodeiros
"convertidos".
Por cima de uma selvagem base percussiva
e um ritmo que lembra o samba rock, ela espanta seus demônios usando
interjeições — como "agora quebra, quebra, quebra" e "tá pegando fogo,
tá pegando fogo" — que mais parecem saídas das rimas profanas de um MC
de funk. É como se, por um milagre, Aretha Franklin, Jovelina Pérola
Negra e Tati Quebra-Barraco tivessem se transformado em uma só pessoa. É
ver para crer.
— Acho que canto assim porque meu filho é
funkeiro. Nunca fui a um baile, mas estou sempre ouvindo as músicas
dele — ela diz, sentada num sofá de casa, ainda suando depois de um
animado culto, na semana passada. — E minha família tem umbandista, eu
mesma já fui umbandista antes de me converter. É essa coisa bem
brasileira, de misturar tudo, não é? E, se eu for pregar como outros que
existem por aí, com aquelas músicas chatas, vai cair todo mundo no
sono. As pessoas vêm aqui e me seguem porque sabem que sou animada, que
gosto de festa.
O culto comandado pela pastora Ana Lúcia
em sua Igreja Pentecostal do Evangelho Pleno — todas as terças e
quintas, às 19h — parece mesmo uma festa, da qual ela é a grande
estrela. O começo da noite é morno, com outros pastores se revezando no
microfone, enquanto as pessoas vão chegando ao local. Se fosse um
programa de auditório, eles seriam gongados por pecar no quesito
afinação.
Mas, quando Ana Lúcia começa a cantar,
acompanhada pelos Gideões, a igreja parece tremer. As pessoas gritam e
levam as mãos para o alto. A primeira música é "Diabo larga o que é
meu", composta pela própria religiosa, que canta com fervor a letra nem
um pouco tradicional ("Meu marido é infiel, mas é meu/ Meu filho é
funkeiro, mas é meu").
— É um recado para quem abre mão dos
seus entes queridos por qualquer problema que surja, seja um vício, um
desvio de caráter ou uma diferença qualquer — afirma ela. — Procuro unir
as pessoas, em vez de separá-las. Por isso, nos meus cultos todo mundo é
bem-vindo, sem distinções. Pode ser gay, pode ser dependente químico,
pode ser espírita, é só chegar. Quero festejar e celebrar as diferenças.
Não nasci para pregar o ódio ou o medo.
A trajetória da pastora — fã de Alcione e
Whitney Houston, e que ainda não tem disco gravado "por falta de
dinheiro mesmo" — ajuda a entender esse sentimento agregador. Nascida em
Belford Roxo, há 42 anos, ela se converteu aos 22, quando o filho,
Leandro, teve leucemia, ainda bebê.
— Minha mãe dizia que eu era louca, e
meu marido me abandonou por causa da minha religião — lembra ela. — Hoje
meu filho está saudável, e meu noivo está aqui ao meu lado, celebrando
comigo.
De volta à igreja, o ritmo é forte,
intenso, e, à medida que a música vai progredindo, a maior parte dos
presentes começa a dançar, alguns rodopiando de olhos fechados, outros
caindo no chão. Contaminada, a pastora pula, dança também e vai cantar
no meio da igreja. O transe coletivo é administrado por seus ajudantes,
todos eles vestindo camisetas de cor lilás com o nome da pastora nas
costas, mesmo uniforme usado pela banda. Do lado de fora da igreja,
Leandro, o filho funkeiro, hoje com 23 anos, assiste a tudo
respeitosamente.
— A pastora Ana Lúcia tem um carisma
inacreditável e uma voz fantástica. Já perdi a conta das vezes em que
assisti àquele vídeo no YouTube — diz Regina Casé, que convidou a
religiosa para participar de seu programa, "Esquenta!", exibido no
primeiro domingo do ano. — Ela nasceu para brilhar.
A participação da pastora Ana Lúcia no
"Esquenta!" quase não aconteceu. Desconfiada, a religiosa achou que o
convite para ir ao programa era uma pegadinha.
— Quando o rapaz da produção me ligou,
com essa história de programa, eu achei que era brincadeira e desliguei o
telefone na cara dele. Zoação, não! — conta ela, brincando com sua
excessiva precaução. — Depois, vi que o negócio era sério. Mas disse que
só ia se pudesse levar a minha banda inteira, que tem 14 integrantes.
No outro dia, tinha um ônibus aqui na porta, para levar a gente para o
Projac. Foi incrível.
Cachê em oração, não
O vídeo a que Regina Casé e outras 300
mil pessoas assistiram no YouTube foi gravado durante uma apresentação
da pastora como convidada de uma outra igreja, uma peregrinação com
jeito de turnê que já a levou a outros estados e que ela tenta
administrar com mais cuidado depois de algumas experiências nada
memoráveis.
— Teve um sujeito que me levou para
cantar em João Pessoa e depois queria me pagar com orações, veja só —
conta ela, que cobra cerca de R$ 350 por apresentação. — E nem hotel ele
me arrumou. Tive que dormir na casa de uma amiga. Hoje, tenho uma
pessoa só para acertar minha agenda. Não posso mais passar por essas
situações. Tenho aluguel para pagar e família para sustentar.
Mangueirense e vascaína, Ana Lúcia de
Andrade começou a cantar quando tinha 5 anos, incentivada por um tio que
era músico amador. Quando era adolescente, ouvia Paralamas, Lobão, Leci
Brandão e Almir Guineto.
— Eu era saidinha, ia a bailes de soul
em Madureira e no Méier. Adorava o som de DJs como o Corello. E sambava
muito bem, viu? Parei um pouco com essas coisas quando me converti e
virei cantora principal dos cultos por incentivo de um pastor que gostou
da minha voz.
O repertório da pastora Ana Lúcia e os Gideões ainda é pequeno. São apenas sete músicas prontas e algumas sendo finalizadas.
— A gente queria poder ensaiar mais, mas
não temos como pagar um estúdio. Então, vamos improvisando com o que
temos. Mas não tenho do que reclamar. As pessoas adoram nossas
apresentações. Tem gente que me reconhece quando vou ao shopping. Até
autógrafo me pedem. Mas ainda sonho em gravar um disco. Um dia isso vai
acontecer.
Depois de quase cinco horas, o culto
daquela noite é encerrado com versão de 15 minutos de "Vem comigo dando
glória". Ao final, ninguém mais está sentado. Alguns chegam a pedir bis,
como se estivessem num show.
— Para mim, isso sim é a glória — diz a pastora, abraçada ao filho, funkeiro, mas todo seu.
Fonte: o Globo | Divulgação: Midia Gospel
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