20
anos após ser condenado por matar a atriz Daniella Perez, o ex-ator
Guilherme de Pádua, agora evangélico, que nunca revelou, publicamente,
sua versão dos fatos, concedeu entrevista exclusiva ao Jornal CORREIO.
Obreiro
na Igreja Batista, da Lagoinha, em Belo Horizonte, Guilherme abriu o
coração para a equipe de reportagem e contou sobre a vida durante os
seis anos, nove meses e 20 dias de prisão, o momento em que pensou em
desistir da vida, a rejeição das pessoas, o arrependimento e a crucial
mudança em sua vida. Na noite do sábado, Pádua ministrou um culto na
Igreja Assembleia de Deus, no bairro Rochedo. “Entre seguir sair
criminoso da prisão e ter uma mudança de vida, optei pela conversão,
pelo caminho de Deus. A Bíblia também nos ensina que tem uma coisa, que é
pior do que o pecado: a falta de arrependimento. Vim mostrar para as
pessoas como um cara tão desviado e tendente às coisas vazias tornou-se
tão apaixonado por Jesus Cristo”, afirmou.
Jornal CORREIO: Como foi a sua vida na prisão?Guilherme
de Pádua: Foram muitos momentos diferentes porque a prisão não é sempre
a mesma coisa. Um dia está tudo bem, outro dia está tudo horrível e
você corre perigo. Um dia você tem comida, assiste à televisão e, no
outro, não tem nem uma roupa pra vestir. Muito difícil.
Jornal CORREIO: Na prisão, você recebia muitas visitas?
Guilherme
de Pádua: Além da minha família, eu recebia várias visitas de pessoas
que faziam o trabalho de capelania. No meu primeiro dia de prisão,
recebi a visita de uma senhora que, na verdade, nem cheguei a ver. Ela
levou uma grande cesta, uma carta com uma mensagem de esperança e uma
pequena Bíblia, que vinha dentro de um envelope. A porta da delegacia
estava repleta de pessoas revoltadas e, por um momento, eu acreditei que
tinha tudo acabado. Muitos irmãos pagaram um alto preço de esperar
debaixo do sol e tirar um dia da sua semana para visitar aqueles que a
sociedade tem como vermes. A princípio, é claro que eu queria debater
com eles, mostrar as minhas opiniões, mas, aos poucos, fui me deixando
tocar por aquelas verdades que eles diziam.
Jornal CORREIO: Você tornou-se evangélico. Já havia tido contato com a religião antes?Guilherme
de Pádua: Eu não tinha um contato aproximado com a Palavra de Deus. Na
verdade, eu tinha pena e preconceito dos evangélicos. Geralmente, a
mídia é contrária aos cristãos evangélicos. Houve um tempo em que era
pior, há cerca de 15 anos. Hoje vejo que foi um grande engano pensar
assim. Os evangélicos procuram seguir os valores, que trazem resultados
positivos para a vida. Sinto muito pesar por não ter conhecido antes.
Quando você crê em Jesus e na Palavra de Deus, recebe grandes bênçãos
por seguir essa Palavra. Estou há 13 anos na Igreja Batista, da Lagoinha
(antes eu já havia me convertido). Vou aprendendo as coisas e vendo que
eu não tinha nenhum conhecimento; era uma criança. É como se eu tivesse
nascido de novo.
Jornal CORREIO: Como você lida com a rejeição das pessoas?Guilherme
de Pádua: No início, me isolei muito; não saía de casa. Enfrentei
inúmeras situações desagradáveis, de levar cuspida ‘na cara’, por
exemplo. Se eu tivesse morrido estaria tudo resolvido, mas como a gente
tem que ganhar o pão de cada dia e seguir em frente, acaba tendo que
enfrentar essas coisas. Talvez, se eu tivesse condição de me isolar eu
continuaria me isolando porque seria mais cômodo, mas procuro entender a
rejeição (ela existe ainda, não sei se diminuiu). Essas pessoas poderão
ser sempre assim, ou não. Procuro tratar todos com respeito e chego aos
lugares objetivamente. Evito guardar isso no meu coração. Sempre penso
que se tivesse no lugar dessa pessoa, talvez eu estaria fazendo a mesma
coisa; não daria chance. O ser humano em si tem uma tendência muito
grande de querer pisar em quem está caído. Às vezes descarrega as
frustrações que ele mesmo tem no momento em que discrimina, condena,
julga ou faz uma fofoca sobre uma desgraça que acontece na vida de
alguém. Eu sou foco disso, às vezes, porque as pessoas ficam torcendo
para verem a minha desgraça.
Jornal CORREIO: Você acreditava que sairia vivo do presídio?Guilherme
de Pádua: É um milagre as coisas que estão acontecendo na minha vida;
eu conseguir conviver com a rejeição e obter tanta positividade, apesar
disso. Ninguém acreditava que eu sairia vivo do presídio. Eu me lembro
que, quando eu cheguei lá, onde havia mais de 1000 pessoas, e a notícia
circulou, senti o prédio tremer e eles começaram a gritar “demorou”.
Pensei que dessa eu não sairia vivo. Aprendi que Deus tem um propósito
na vida de todas as pessoas. Ele não ama mais uma pessoa do que outra,
mesmo sendo o pior pecador. Se fosse assim, Jesus não teria se doado da
maneira como se doou. Jesus fez questão de dizer que veio para as
pessoas que necessitam de uma mudança de vida, de caráter, se arrepender
e considerar que precisam ter um ‘novo nascimento’, como a Bíblia diz. A
Palavra de Deus mostra que tem oportunidade sim para o pecador, para o
criminoso, desde que ele mude de vida.
Jornal CORREIO: Quando você se deu conta de que estava arrependido?Guilherme
de Pádua: A Bíblia também nos ensina que existe uma coisa, que é pior
que o pecado: a falta de arrependimento. Todos precisam de Jesus. Essa
afirmação parece muito forte, principalmente vindo do Guilherme de
Pádua. Não estou dizendo que sou igual a vocês, de jeito nenhum, mas, de
certa forma, a pessoa que errou muito tem maior facilidade de
reconhecer que precisa mudar. As que erram pouco tendem a continuar
praticando os mesmos erros e a encontrar justificativas para isso. Desde
o momento em que você se dá conta de que fez algo terrível, bate uma
tristeza, um remorso e, imediatamente, você quer voltar no tempo e não
ter feito aquilo. Mas o arrependimento, como diz o meu pastor, Márcio
Valadão, é você mudar de caminho, de atitude.
Jornal CORREIO: Já pensou em desistir da vida?Guilherme
de Pádua: Eu tinha desistido desde o meu primeiro dia na prisão; pensei
em morrer. Até que um dia alguém veio e plantou uma semente no meu
coração. Essa semente foi crescendo e criando raízes. Mas agora, podem
fazer o que quiserem, mas eu não abro mão de Deus, de Jesus. Não estou
dizendo isso para comover ninguém, pelo contrário, sei que vão falar
que, depois de ter feito o que fiz, virei crente. Mas o que as pessoas
falarem ou pensarem também não significa nada porque, no final, ou eu
vou para junto do Pai ou eu não vou.
Jornal CORREIO: O que você falaria, caso encontrasse com Glória Perez?Guilherme
de Pádua: Nunca encontrei com ela, depois que saí da prisão. Sei que
ela não querer me ver ‘nem pintado de ouro’, mas eu e muitas pessoas
oramos pela vida dela. Não tenho nem ideia do que falaria. Tentaria
encontrar algo para dizer, que pudesse diminuir a dor, mas essa é uma
situação que só a intervenção de Deus poderia encaminhar.
Jornal CORREIO: Você acha que pagou pelo que fez?Guilherme
de Pádua: Não tenho ideia do que é isso. Eu paguei aquilo que a lei
mandou. Uma pessoa causou dor e então tem que sentir dor também? Alguém
que esteve envolvido na morte de uma pessoa tem que morrer? O meu
sofrimento continua até hoje. Talvez se tivesse tido uma pena de morte, o
meu sofrimento teria acabado. Sofro perseguição há 20 anos. Quantos
outros condenados por homicídio estão andando por aí e tendo suas vidas
normais? Se formos pensar por esse lado, eu pago mais do que qualquer
outro. Entende como é louco pensar nisso? Agora, se for pensar na dor de
uma mãe, na perda de uma vida, tem como pagar? Às vezes, nem se eu
morresse. Mas será que a gente tem que pagar? O fato de mudar e não se
envolver mais nas mesmas coisas já não seria um bom resultado? Você
preferia que todos os prisioneiros sofressem torturas diárias durante 10
anos e, depois de cumprida a pena, voltassem criminosos para a
sociedade, ou que eles mudassem e tornassem pessoas restauradas?
Jornal CORREIO: Por que você não comenta mais sobre o crime?Guilherme
de Pádua: Quero trazer à memória as coisas que me dão esperança. As
pessoas têm sede de ficar sabendo e, mesmo se eu falasse, não
acreditariam. É “chover no molhado”. Às vezes falo com advogados baseado
em provas, mas evito ficar tentando provar, mesmo porque, pela lei, eu
cumpri a pena. Não preciso ficar dando satisfação disso. Por que as
pessoas não atormentam quem não cumpriu? Tem gente que nunca foi parar
na cadeia, podemos fazer uma lista rápida de 50 nomes. Por que perseguir
quem “cumpriu o que a cartilha mandou”? Se a Justiça dissesse que eu
deveria perder um braço, eu estaria aqui sem um braço. Se falasse que eu
tinha que morrer, eu não estaria mais aqui. Em nenhum momento eu fui
contra o que a Justiça mandou.
Fonte: Jornal Correio
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