A primeira infância na vida de um ser humano é marcada por um forte
sentimento egoísta. Ao nascer, a criança deseja para si o amor, a
atenção, a proteção dos pais e o peito da mãe. Tudo caminha
relativamente bem, até que ela toma consciência que o amor da mãe,
expresso e manifesto de todas as formas possíveis, não é apenas seu.
Esse amor “exclusivo” precisa ser dividido, compartilhado, repartido. O
nascimento de um irmão mais novo, ou a tomada de consciência da
existência de um irmão mais velho, com certeza desencadeará o ciúme, a
rivalidade e a competitividade entre irmãos, que se manifestarão das
mais diversas formas, podendo ir do sentimento de ódio ao ato homicida.
Mais do que uma teoria psicológica ou psicanalítica, o fato é encontrado
nas primeiras páginas do livro do Gênesis.
Em Gênesis 4.1 a Bíblia nos relata o nascimento de Caim. O primogênito
de Adão e Eva gozou de todos os privilégios, de toda a atenção, de toda a
proteção, de todos os cuidados, de todos os mimos, de todos os abraços,
do peito, do colo, do afago, do amor. Tudo, na própria concepção da
criança Caim era dele e para ele. Foi a partir de Gênesis 4.2
(considerando o nascimento de Abel subsequente ao de Caim), que as
coisas começaram a mudar para Caim. Tudo que pertencia a Caim, como
citado acima, teria que ser repartido com o seu irmão. Com certeza, os
sentimentos que afloraram em Caim não foram diferentes daqueles que nos
dominavam na infância, quando queríamos que aquele ou aqueles que
“roubavam” de nós os privilégios e a exclusividade não existissem, ou
pelo menos, que estivessem bem longe.
Na primeira infância, não apenas sentimos tais coisas, mas somos por
elas também movidos a agir, de forma que o ciúme e o ódio se manifestam
em palavras e atos agressivos.
Quem nunca tomou um brinquedo seu da mão do irmão? Mordidas, beliscões,
tapas e socos nortearam o comportamento de muitas relações entre irmãos
que se percebiam como rivais, que lutavam pelo direito de exclusividade e
propriedade das mesmas coisas.
Caim perdeu a exclusividade do amor dos pais, e inclusive, na condição
de filho, da adoração a Deus. Tudo que possuía teria que dividir com
Abel.
Na medida em que envelhecemos, estes sentimentos infantis que geram
disputas tendem a ser superados, ou ao contrário, podem nos dominar e
serem reproduzidos nas mais diversas formas de relacionamentos adultos.
Nesse caso, nem sempre a idade adulta cronológica é sinônimo de
maturidade psicológica.
Em Abel não havia maldade ou algum desejo de usurpar o que era de Caim.
O irmão mais novo só queria o seu espaço. Deus se agradava de Abel:
Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura
deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; (Gn 4.4).
Caim ganhava anos de vida, mas seus sentimentos e emoções permaneceram
os mesmos da infância, sempre lutando por aquilo que entendia ter sido
roubado ou tomado por seu irmão. Deus, em razão disso, não se agradava
de Caim:
[...] ao passo que de Caim e de sua oferta não se agradou. Irou-se,
pois, sobremaneira, Caim, e descaiu-lhe o semblante. Então, lhe disse o
SENHOR: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se
procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes
mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti
cumpre dominá-lo. (Gn 4.5-7).
No colo, no peito e nos braços da mãe há lugar para todos os filhos.
A atenção, a proteção e a provisão do pai, da mesma maneira, são também
suficientes para todos. Mesmo em tempos de escassez, os pais tratam de
dividir com os filhos tudo por igual. O ciúme e a rivalidade alimentados
por Caim culminaram com um sentimento e um ato homicida (Gn 4.8).
As manifestações de rivalidades e contendas que vivenciamos ao longo de
nossa vida adulta, mas nem sempre madura, geralmente são reproduções
destes sentimentos de nossa primeira infância. É neste sentido que Paulo
escreve aos coríntios:
Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a
carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei
alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora
podeis, porque ainda sois carnais. Porquanto, havendo entre vós ciúmes e
contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? (1 Co
3.1-3)
Percebam que Paulo associa os ciúmes e as contendas ao fato dos irmãos
em Corinto serem “crianças em Cristo” disputando coisas, lugares e
preferencias.
Nos dias atuais as coisas não são diferentes, e encontramos ainda
“crianças em Cristo” na igreja disputando cargos, posições e
privilégios.
Uma relação transferencial acontece, onde os sentimentos que se tinham
pelo pai são direcionados para Deus Pai e para o pastor-pai, e o
sentimento que se tinha pela mãe, para a Igreja-mãe. Dessa maneira, as
“crianças em Cristo” disputam a preferência, a atenção, a provisão e a
proteção do Deus Pai e do pastor-pai, e a exclusividade do peito, dos
braços, do colo e do amor da Igreja-mãe.
Ao percebermos que isso não é possível, e que precisamos dividir com os
outros irmãos na fé estas coisas, os instintos infantis brotam, e a
velha e infantil rivalidade, briga e intriga ressurge. Podemos,
inclusive, desejar a distância e a morte dos nossos irmãos na fé.
O amadurecimento na vida cristã implica em entender que o Deus Pai, o
pastor-pai e a Igreja-mãe têm amor e lugar para todos os filhos. Não
precisamos ser irmãos rivais e competidores, mas leais e cooperadores.
Precisamos ainda ajudar, consolar, socorrer, incentivar, apoiar e servir
uns aos outros. Não devemos alimentar o ciúme e ódio infantil pelo fato
de alguns irmãos ocuparem certos lugares e possuírem determinados dons e
talentos. Completamo-nos através do que a cada um foi concedido em
Cristo e pelo Espírito.
Alcancemos assim a varonilidade perfeita, a maturidade (gr. teleios), a
medida da estatura da plenitude (gr. pleroma) de Cristo (Ef 4.13).
Vivamos em unidade, harmonia e em comunhão, para o louvor e a glória de
Deus. Seguindo a verdade e o amor, cresçamos em tudo naquele que é a
cabeça, Cristo (Ef 4.15).
Fonte: Altair Germano
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