Prefácio
O centro das atenções de Byron Center (Michigan) durante o
ano letivo de 1996-1997 foi o professor de música da escola pública local, que
tinha se “casado” com seu amante homossexual. Este “casamento” não foi muito bem
aceito pelo povo de Byron Center, e muitos foram da opinião que tal homem não
deveria estar ensinando seus filhos; no final, eles conseguiram a demissão do
professor. A atitude destes pais, consequentemente, produziu a ira de muitos na
comunidade mais ampla contra os cidadãos de Byron Center. Escrevendo a seção
“Pulsação Pública” do Grand Rapids Press, muitos rotularam as pessoas de
Byron Center como intolerantes, julgadoras, hipócritas, pomposas, farisaicas,
arrogantes, fanáticas, mesquinhas e odiosas. A mensagem da comunidade mais ampla
aos habitantes da cidade foi clara: não devemos julgar as ações e crenças dos
outros.
Este pensamento de que não podemos julgar as ações e crenças
dos outros é o espírito da nossa era. E ele é errôneo. Numa tentativa de
contra-atacar esta forma de pensamento, a Sociedade de Evangelismo da Igreja
Reformada Protestante de Byron Center publica este panfleto, com o desejo de que
Deus seja glorificado e seus santos encorajados a julgar corretamente. Nossa
oração para o leitor é aquela de Paulo pelos filipenses: “E também faço esta
oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a
percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis
para o Dia de Cristo, cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus
Cristo, para a glória e louvor de Deus” (Filipenses 1:9-11).
Introdução
A tolerância é a palavra-chave dos nossos dias. É-nos dito
que devemos tolerar as idéias, palavras e ações de cada e todo segmento da
sociedade. Não podemos julgar o caráter de outras pessoas, mas devemos
aceitá-las da forma que são. O que nossos oficiais eleitos fazem em suas vidas
privadas não deve influenciar nossa visão das suas qualificações para o cargo
público. Devemos aceitar o estilo de vida dos homossexuais como alternativas
(viáveis!) às nossas. Devemos ceder aos caprichos e desejos das feministas. Não
devemos falar de Deus, para não irar os ateístas.
Esta atitude de tolerância é encontrada até mesmo na igreja
(por todo o mundo) de hoje. Muitas pessoas, alegando ser cristãs, prontamente
nos lembram das palavras de Jesus que não devemos julgar (Mateus 7:1) e que não
podemos jogar uma pedra, pois não somos melhores que a outra pessoa (João 8:7).
Esta atitude expressa confusão na igreja cristã, incluindo igrejas que são
Reformadas em sua herança. A heresia não é mais denunciada, e os heréticos não
são mais disciplinados. O ensino fundacional do Cristianismo— que Jesus Cristo,
o Filho de Deus que veio em carne, é o nosso único e completo Salvador— é
negado. Somos ordenados a tolerar o pensamento religioso dos não-cristãos, pois
toda religião tem um elemento de verdade nela, e porque a salvação não é
exclusivamente para os cristãos. Devemos tolerar também em nossas igrejas as
ações pecaminosas de outros. Não é da nossa conta se duas pessoas não casadas
vivem juntas! Não é da nossa conta se um membro da nossa congregação pratica
homossexualismo! Não devemos julgá-los.
Considerando este triste estado de coisas na igreja
de hoje, não é surpreendente tomar conhecimento que o texto mais
frequentemente citado da Escritura não é mais João 3:16, mas Mateus 7:1,
como recentemente ouvimos de um locutor de rádio. No passado éramos
lembrados: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira ...” Este versículo,
erroneamente interpretado como ensinando a mentira do Arminianismo de
que Deus ama toda pessoa, tinha a intenção de confortar toda pessoa que
cria nele. “Deus me ama! Tudo está bem comigo!”. Hoje somos lembrados:
“Não julgue!”. Esta mudança parece ser lógica. Se Deus me ama e cada
outra pessoa, então ele não encontra nenhuma falta em nós, nossas ações
e nossas idéias. E se ele não encontra nenhuma falta em nós, não
deveríamos encontrar nenhuma falta uns nos outros. Contudo, a lógica
falha. Ela procede de uma premissa errada, que Deus ama todo homem, e de
uma suposição errada, que um Deus que ama uma pessoa ignora ou tolera os
pecados da mesma. Assim, a conclusão também é errônea. Na realidade, a
mudança do texto da Bíblia mais frequentemente citado indica a impiedade
crescente da nossa sociedade. No passado, Deus recebia a ênfase, embora
erroneamente entendido. Agora a ênfase cai sobre o homem, ao ponto que
em certas situações, devemos ser cuidadosos para não mencionar o nome de
Deus! O homem é deus, livre para construir suas próprias idéias de
moralidade. E o fundamento básico para a moralidade é seu pensamento:
“Eu sou bom. Você é bom. Concordemos em não achar nenhum mau em
ninguém.”
Há um grupo de pessoas, contudo, que a sociedade permite que
julguemos, e para com quem podemos ser intolerantes: aqueles que julgam a
moralidade moderna como errônea, e não a toleram! Neste último grupo os cristãos
verdadeiros devem encontrar a si mesmos, e a verdadeira igreja de Jesus Cristo
deve encontrar a si mesma. Devemos julgar a visão prevalecente de tolerância
como errônea, pois ela não é bíblica. A Escritura é a única base para a nossa
moralidade.
Neste panfleto examinaremos em maior detalhe a visão
prevalecente de tolerância à luz da Escritura. Nossa conclusão será que esta
visão é perigosa, ímpia e anti-bíblica. Examinaremos então em detalhe as
passagens da Escritura que são mais pertinentes ao assunto. A partir destas
passagens, veremos que julgar é o chamado de Deus para o cristão. Embora Deus
coloque algumas restrições sobre como devemos julgar e mostrar intolerância, ele
não nos proíbe de sermos intolerantes.
A Visão Prevalecente De Tolerãncia
A explicação desta visão
Esta visão que prevalece hoje pode ser explicada
adicionalmente a partir de um ponto de vista negativo e positivo.
Negativamente, a visão é que nossa atitude para com as idéias
ou ações de outros nunca deve ser uma de intolerância. Uma atitude de
intolerância é errônea por diversas razões, somos informados. Primeiro, ela
manifesta ódio; assim, é moralmente errada. O próprio Deus condena a
intolerância ao proibir-nos de julgar (Mateus 7:1) e ao nos ordenar que amemos
uns aos outros. Tolerância é uma expressão de amor. Em segundo lugar, esta
atitude revela arrogância da nossa parte ao pensar que somos melhores que a
outra pessoa, que nossa visão é a única correta, e que nossa maneira de fazer as
coisas é a única certa. Este pensamento arrogante nega a bondade inerente de
cada pessoa, que foram criadas à imagem de Deus (de acordo com os proponentes da
tolerância). Uma atitude de intolerância é errônea, em terceiro lugar, porque
por ela julgamos uma pessoa sem tentar entendê-la ou o que a faz agir ou pensar
da forma que o faz.
Porque esta atitude de intolerância é errada, não devemos
demonstrar a mesma falando contra as idéias ou práticas de outros. Não devemos
condenar aqueles que favorecem e praticam o aborto, pois não entendemos as
dificuldades que a mulher grávida suporta e suportará se ela tiver o seu bebê.
Não devemos condenar a homossexualidade, pois Deus criou os homossexuais à sua
imagem, e sua orientação sexual é uma parte desta criação. Além do mais, os
homossexuais são tão capazes quanto os heterossexuais de guardar de lei de Deus
com respeito ao amor, sendo féis aos seus parceiros. Não devemos condenar
aqueles cujas visões teológicas, sociais ou políticas difiram das nossas, pois
Deus deu a cada um de nós uma mente, e cada um de nós é livre para usar a mente
da forma que desejar. Em adição, o fato que a Bíblia tem sido interpretada de
muitas maneiras diferentes por muitas pessoas, igrejas e denominações
diferentes, indica que não há uma única visão correta da Bíblia e dos seus
ensinos.
Declarado de uma maneira positiva, esta visão prevalecente é
que devemos tolerar aqueles que diferem de nós em pensamento e prática. Tal
tolerância incluiria amor, compaixão e entendimento pelos outros. Em adição a
tolerar estas pessoas, deveríamos aprovar
suas visões e práticas como legítimas. Talvez nossas visões e práticas ainda
diferirão das outras pessoas, mas não porque a nossa é inerentemente correta e a
deles inerentemente errônea, pois todas as pessoas, a despeito de suas visões e
práticas, são pessoas boas.
Esta visão de tolerância tem implicações específicas para a
igreja de Cristo. Primeiro, não devemos pregar um evangelho exclusivo de
salvação através de Cristo somente. Não devemos ver os ensinos de outras
religiões—Judaísmo, Mormonismo, Budismo e todas as outras—como inerentemente
errôneas. Não podemos dizer ao judeu, mórmon ou budista que ele deve se
arrepender dos seus pecados contra os quatro primeiros mandamentos da lei de
Deus, e chegar ao conhecimento do Deus verdadeiro que se revelou em Cristo.
Antes, devemos aprovar os ensinos do Judaísmo, Mormonismo, Budismo e outras
religiões; apresente-as como alternativas viáveis para a fé cristã; e encoraje
os membros das nossas igrejas a incorporar em suas vidas tudo de bom encontrado
nestes ensinos.
Segundo, isto afeta nossa obra missionária. Nossa obra
missionária não deve consistir de levar os outros à fé e ao arrependimento, mas
de ajudar o pobre, o enfermo, e outros que necessitem de ajuda física e
econômica. Deveríamos também ser mais ambiciosos em desenvolver contatos com
outras religiões, descobrindo os bons aspectos de seus ensinos e práticas, e
incorporando-os aos nossos próprios ensinos e práticas.
Terceiro, não devemos disciplinar aqueles que cremos estar
vivendo em pecado ou ensinando o que é contrário ao nosso entendimento das
verdades fundamentais da Escritura. Antes, lembrando que todos nós pecamos,
devemos permitir que os membros que estão vivendo em pecado permaneçam como
membros ativos, participando livremente da mesa do Senhor. Devemos até mesmo
encontrar algo de bom em suas ações, e recomendar que outros membros sigam o bom
exemplo que este membro de alguma forma mostrou. Uma pessoa que imite mais a
Jesus verá a outra pessoa como um irmão, fará que ela se lembre que é uma boa
pessoa, encorajá-la-á em seu pecado, e lembrá-la-á que Deus está satisfeito.
Qual a explicação para esta visão?
Certamente, a depravação natural do homem é uma explicação. O
homem por natureza é capaz de fazer e pensar somente o que é mal. Esta visão é
outro exemplo do desrespeito do homem para com a Palavra de Deus, e pelo próprio
Deus. A Palavra de Deus diz que o homem é um escravo do pecado por natureza. O
homem, contudo, alega ser livre, e insiste em manifestar esta liberdade fazendo
o que deseja fazer. A mulher grávida insiste em sua liberdade de escolher viver
sua própria vida, abortando seu filho. O homem insiste em sua liberdade de
escolher amar outro homem.
Contudo, esta explicação não explica suficientemente o porquê
a igreja no mundo inteiro tem adotado esta visão. Eis algo que explica isso: o
fato de que a igreja tem, como uma regra geral, se conformado ao mundo em cada
área da vida, falhando em viver de forma antitética. Como fundamento deste
fracasso está o fato que a igreja perdeu sua consciência da santidade de Deus.
Sua grande mensagem tem sido o amor de Deus, mas ela divorciou o seu amor da sua
santidade. Se a igreja puder uma vez mais entender o que significa Deus ser
santo, ela entenderá a necessidade de se separar das idéias e práticas do mundo,
denunciar o pecado como pecado, e pregar que o Deus amoroso, Jesus, odeia o
pecado e pune os pecadores por causa dos seus pecados.
Nossa avaliação desta visão
Os cristãos devem avaliar esta visão como perigosa, ímpia e
anti-bíblica.
A visão é perigosa porque leva à acomodação adicional da
igreja com o mundo, em violação ao seu chamado. Deus chama a igreja à viver de
maneira antitética, isto é, viver em oposição ao pecado e ao mundo, e em devoção
a Jeová. A igreja vive antiteticamente, não pretendendo que o pecado seja bom,
mas declarando que o pecado é pecado, e disciplinando aqueles que
impenitentemente vivem uma vida pecaminosa. Ela vive antiteticamente também ao
pregar a verdade de Deus, apontando a mentira de Satanás que se opõe à verdade,
e disciplinando aqueles em seu meio que promovem consciente e impenitentemente a
mentira.
Falhando em viver antiteticamente, a igreja está em perigo de
se tornar o mundo, e de não mais ser a igreja de Deus. Ao viver e pensar como o
mundo, ela mostra que não é fundamentalmente diferente do mundo, como Deus a
chama para ser. Assim, perdeu-se seu atributo de santidade. Ao ensinar aquilo
que é contrário à Escritura, ela mostra que não está firmemente fundada sobre a
doutrina dos apóstolos e profetas, sendo o próprio Jesus Cristo a pedra angular,
como Deus a chama para ser. Assim, perdeu-se outro atributo, aquele da
apostolicidade. Falhando em ser santa e apostólica, ela não tem nenhum direito
de chamar a si mesmo de igreja, pois não é diferente do mundo.
O perigo desta visão, então, é o mesmo do perigo do veneno. O
veneno pode parecer inofensivo, e até mesmo palatável, mas é ingerido para a
própria destruição da pessoa. As idéias e práticas do mundo são um veneno que
pode parecer atrativo para alguns, mas quando a igreja tolera e aprova-as, ela o
faz para a sua própria destruição. Esta destruição não é simplesmente uma
questão da igreja falhando em ser distinta do mundo nesta vida, mas é também uma
destruição eterna. O Deus que julga justamente julgará aqueles que
impenitentemente ensinam falsa doutrina, e que vivem em imoralidade sem
arrependimento. Atentando para esta advertência, a igreja não deve se conformar
ao mundo, mas ser transformada (Romanos 12:2)!
Nossa segunda avaliação desta visão de tolerância é que,
apesar de toda sua aparente piedade, ela é de fato ímpia. Os vários apelos à
Escritura e ao atributo do amor de Deus em defesa desta visão podem parecer
piedosos. Há a menção de um deus—um que aprova a tolerância e se importa com
aqueles que são vítimas da intolerância, ódio, inveja e maldade. Há também a
menção de um céu—o lugar onde as vítimas de tal intolerância são levadas quando
a “perseguição” delas termina em morte.
A despeito desta aparente piedade, a visão é ímpia
pelo fato de rejeitar Jeová como o Deus cuja Palavra é o padrão para a
vida e doutrina. Que devemos tolerar, aprovar e abraçar as idéias e
práticas de outros não é a Palavra de Deus, mas do homem! O homem tem
colocado a si mesmo como um juiz do certo e do errado. E o homem diz: “A
tolerância é certa! A intolerância é errada!”
Que isto é realmente o que o homem tem feito,
torna-se evidente quando consideramos que a própria sociedade, e não a
Palavra de Deus, decide em que situações a tolerância é certa, e em que
situações certa intolerância é permissível. A Palavra de Deus claramente
proíbe o assassinato, no sexto mandamento: “Não matarás” (Êxodo 20:13).
Mas a sociedade, embora condenando o assassinato de uma criança de dois
anos ou de um adulto de quarenta e oito anos, tolerará o assassinato de
bebês em gestação e, em muitos casos, o assassinato de alguém
terminalmente doente que deseje uma morte digna. A Palavra de Deus
claramente proíbe o adultério e todas as perversões sexuais, declarando
que o sexo é permissível somente entre um marido e uma esposa. Isto é
feito no sétimo mandamento, “Não adulterarás” (Êxodo 20:14), bem como em
outras passagens (cf. 1Coríntios 5:1-5 e Hebreus 13:4). Mas a sociedade,
embora intolerante para com a pornografia e moléstia infantil, todavia
permite o adultério e a fornicação de todos os tipos, e clama por
tolerância na questão do homossexualismo. Quando diz respeito à pergunta
“O que é a verdade?” a sociedade tenta dar sua própria definição,
ignorando Jesus Cristo e as Escrituras como verdade.
Estas inconsistências revelam que o homem abandonou Deus
Jeová e sua Palavra como o padrão de certo e errado. Os homens não querem que
Deus lhes diga o que fazer! O homem será o juiz do certo e do errado. Qualquer
apelo à Escritura para apoiar a visão prevalecente de tolerância não procede de
uma visão da Escritura como a Palavra de Deus, mas de uma visão da Escritura
como sendo o registro do pensamento da sociedade no passado. Na Bíblia, um texto
pode ser encontrado aqui e acolá para mostrar que a sociedade no passado também
aparentemente condenou a intolerância.
Isto nos leva à nossa terceira e fundamental
avaliação desta visão: ela é anti-bíblica. Talvez você possa ouvir
alguém perguntando: “O que você quer dizer com anti-bíblico? Você já
olhou para Mateus 7:1, João 8:11 e João 13:34?” Contudo, o fato é que
muitas pessoas interpretam estas passagens erroneamente. As passagens
não ensinam o que aqueles que as usam para promover esta visão de
tolerância dizem que ensinam!
Devemos examinar estas e outras passagens pertinentes da
Escritura para mostrar que, ao invés de ordenar a tolerância de idéias e
práticas dos outros, a Escritura proíbe tal coisa e requer que julguemos.
Uma Análise das Passagens Pertinentes da Escritura
Princípio de interpretação bíblica
Será útil desde o começo apresentar uns poucos princípios que
devem nos guiar em nossa interpretação da Escritura. Conhecer e aplicar estes
princípios nos prevenirá de chegar a um entendimento errôneo dos ensinos da
Escritura sobre este assunto.
Que a Bíblia é a Palavra de Deus é o princípio mais
fundamental. Toda Escritura é a Palavra de Deus, de acordo com II Timóteo
3:16. Isto significa que não encontraremos nenhuma contradição na Bíblia, mas
somente a verdade, pois Jeová é o Deus da verdade, e sua Palavra é a verdade
(João 17:17). Portanto, podemos estar certos de que não encontraremos na
Escritura alguns textos que, propriamente entendidos, permitirão a intolerância
e outros que a condenarão; antes, encontraremos uma única e consistente verdade
com respeito a este assunto. Além do mais, porque Deus faz sua verdade
claramente conhecida, esperamos que a Escritura declarará estava verdade
claramente.
Um segundo princípio fundamental é que a Escritura interpreta
a Escritura. Isto significa que quando examinamos a Escritura para ver o que ela
ensina sobre um assunto, devemos examinar todas as passagens pertinentes.
Se ao fazer isso, encontrarmos alguns versículos que parecem contradizer
outros, devemos primeiro chegar ao entendimento do versículo mais fácil, e então
seremos capazes de explicar o versículo mais difícil em sua luz.
Terceiro, devemos lembrar que, para entender um texto da
Escritura corretamente, devemos considerá-lo à luz do seu contexto. Uma parte da
Escritura—quer um versículo inteiro, vários versículos, ou parte de um
versículo—não pode ser legitimamente usada para apoiar idéias ou ações de alguém
se o texto não for explicado à luz do seu contexto. O contexto frequentemente
qualificará o ensino do texto, indicando mais especificamente em que
situações um mandamento se aplica, ou como um mandamento deve ser
cumprido.
Nossa análise de várias passagens da Escritura que se
relacionam ao tópico de julgamento e tolerância procederá sobre a base destes
princípios. Porque a palavra “julgar” e seus pronomes e formas verbais são
usados muitas vezes na Escritura, não tentaremos examinar cada texto no qual ela
é encontrada. Antes, nos focaremos sobre as principais passagens que são usadas
para apoiar a idéia de tolerância, e explicaremos brevemente umas poucas
passagens que claramente exigem que o filho de Deus discirna entre o certo e o
errado.
Passagens que parecem apoiar a tolerância
Mateus 7:1
Das passagens que são usadas para apoiar a idéia de
tolerância, Mateus 7:1 é talvez a mais frequentemente citada. Lemos
assim o texto: “Não julgueis, para que não sejais julgados.” É claro que
Jesus aqui proíbe o julgamento. A questão, contudo, é se Jesus proíbe
todo julgamento, ou somente certo tipo de julgamento. O
versículo 1 por si mesmo não nos dá uma resposta para esta pergunta.
Aqueles que citam somente o versículo 1 para condenar a intolerância,
ignoram o contexto, os versículos 2-5, e assim, assumem que o versículo
proíbe todo e qualquer julgamento e intolerância. Contudo, alguém que
leia os versículos 2-5 verá que Jesus não proíbe todo julgamento, mas
somente o julgamento hipócrita. O texto em seu contexto (Mateus
7:1-5) é o seguinte:
Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.
Jesus diz aos judeus no versículo 1 que eles não
devem julgar. No versículo 2, ele dá a razão pela qual eles não devem
julgar: o padrão que eles usam para julgar os outros será o mesmo padrão
que os outros usarão para julgá-los. Eles não devem ignorar seus
próprios pecados, enquanto condenando os mesmos pecados nos outros.
Fazer isto é julgar com um padrão duplo, julgar hipocritamente. “Não é
hipócrita condenar o irmão por uma pequena falta, ou mesmo tentar
ajudá-lo a sobrepujá-la, quando você mesmo é culpado de uma falta
maior?” Esta é a questão que Jesus estava colocando diante do povo.
Note que o pecado dos dois pecadores (a pessoa e seu irmão) é
o mesmo em dois respeitos. Primeiro, é o mesmo em natureza: em ambos os casos um
pedaço de madeira estava no olho da pessoa. Segundo, ambos estão atualmente
pecando: o pedaço de madeira estava no olho deles naquele momento. A diferença
entre as suas faltas é somente uma de tamanho: um pedaço é pequeno, e o outro é
grande. É hipocrisia alguém cujo pecado é maior condenar alguém cujo pecado é
menor, sendo em ambos os casos o mesmo tipo de pecado (cf. v. 5). Em outras
palavras, uma mulher que está abortando um feto de oito meses não está na
posição de repreender um homem que mata um caixa de banco, e o homossexual não
está na posição de criticar infidelidades num casamento heterossexual!
Mateus 7:1, tomado em seu contexto, não proíbe todo
julgamento e intolerância, mas somente o julgamento e intolerância hipócrita. De
fato, ele requer de nós que, após nos arrependermos dos nossos próprios pecados,
condenemos o pecado do irmão como pecado, e ajudemo-lo a se voltar dele. “Tira
primeiro a trave do teu olho”, diz Jesus, “e, então, verás claramente para tirar
o argueiro do olho de teu irmão” (v. 5). Jesus ordena uma intolerância
genuína, e não hipócrita, do pecado que o irmão comete.
João 8:7, 11
João 8:7 e 11 também são importantes. O contexto é a
história da mulher que foi pega no próprio ato de adultério e trazida a
Jesus pelos escribas e fariseus. No versículo 7, Jesus diz aos escribas
e fariseus: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro
que lhe atire pedra”. No versículo 11 ele fala para a mulher: “Nem eu
tampouco te condeno; vai e não peques mais.” Os defensores da tolerância
usam estas palavras para argumentar que ninguém deveria condenar outras
pessoas, pois não é melhor que elas.
Embora explicaremos o que significa julgar em maior detalhe
mais tarde, entendamos por ora que, quando alguém julga, ela dá um veredicto:
culpado ou inocente. Após ser julgada, a pessoa é sentenciada: a pessoa culpada
é condenada (sentenciada ao castigo) e a inocente é liberta. O ponto é que
julgar e condenar são duas coisas distintas, relacionadas, mas não idênticas.
Tendo isto em mente, note que Jesus de fato julga esta
mulher, mas não a condena. Ao dizer-lhe “vai e não peques mais”, Jesus indica
que ela tinha pecado. Em si mesma, a acusação dos fariseus estava
correta, e Jesus julgou o pecado como sendo pecado. Isto mostra intolerância
pela ação pecaminosa! Seguindo o exemplo de Jesus, devemos dizer aos pecadores
que mostrem arrependimento genuíno não mais cometendo pecado.
Embora Jesus tenha julgado a mulher, ele não a condenou. Ela
pôde ir embora; ela não foi executada. O evangelho para o pecador penitente é:
“Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que
não andam segundo a carne, mas segundo o espírito” (Romanos 8:1, ARC). Esta é a
mensagem que Jesus dá à mulher: o próprio Jesus foi condenado por ela! Ele
suportou o castigo que lhe era devido, para que ela pudesse ser livre!
A resposta de Jesus aos fariseus expõe o julgamento hipócrita
deles no assunto (o propósito primário deles, certamente, não tinha nada a ver
com a mulher; era pegar Jesus em suas próprias palavras. Todavia, Jesus sabia
que os fariseus se orgulhavam da justiça própria deles, e respondeu à luz deste
fato). Os fariseus, Jesus recorda-os, também eram culpados de pecado, e
especificamente de adultério, quer físico ou no coração. Porque também não eram
livres de pecado, também eram dignos de morte como ela. Assim, ao desejar saber
que julgamento ela deveria ter recebido, eles revelaram sua própria hipocrisia e
motivação errônea.
João 8:7 e 11 nos ensinam como tratar com outros que pecam. O
versículo 11 nos ensina que devemos desejar o arrependimento do pecador; o
versículo 7 nos ensina que não devemos fazer isso hipocritamente, nem com
motivos errôneos ou de uma maneira imprópria. Contudo, a passagem não quer dizer
que nunca devemos considerar as pessoas responsáveis por seus pecados (isto é,
julgar o pecado como sendo pecado).
João 13:34
Mais uma passagem que é frequentemente citada é uma
na qual somos ordenados a amar uns aos outros. Na verdade, muitas
passagens na Escritura dão este mandamento. João 13:34 é uma delas. Ali
lemos: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim
como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros.”
O que é amor, e o que envolve? O amor é um vínculo de
amizade, que se manifesta na busca do bem da outra pessoa. Isto pode significar
buscar o bem da outra pessoa materialmente: se ela está faminta, sedenta, com
frio ou nua, devemos cuidar das necessidades físicas desta pessoa. Isto poderia
envolver buscar o bem espiritual da pessoa. Se ele ou ela está andando num
caminho que é contrário à lei de Deus e assim desagradando ao Senhor, devemos
procurar tirar essa pessoa do seu caminho pecaminoso, em amor por esta pessoa.
Em João 13:34, Jesus não ordena todo mundo a amar. O
mandamento vem para os seus discípulos—os doze a quem Jesus especialmente
escolheu para segui-lo durante seu ministério terreno. O mandamento não veio nem
mesmo para todos os doze, mas somente para onze deles. Um deles, Judas
Iscariotes, que mais tarde revelaria seu ódio por Jesus ao traí-lo, não estava
presente. Que os onze discípulos foram os únicos a quem Jesus falou é
significante. Como Jesus amou estes onze, eles deveriam amar uns aos outros! O
mandamento não significa que todos os homens devem amar todos os homens; antes,
significa que na igreja (representada pelos onze discípulos), os santos devem
amar uns aos outros assim como Jesus amou a igreja, entregando-se por ela.
Tal amor não exclui a intolerância de idéias ou ações erradas
nos nossos irmãos. O verdadeiro amor busca a salvação do próximo. Assim, o
verdadeiro amor procura desviar o santo dos seus pecados (Tiago 5:20).
Romanos 2:1-3
Outra passagem que, embora aparentemente não usada pelos
defensores da tolerância, parece apoiar sua posição é Romanos 2:1-3, onde lemos:
Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas. Bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade contra os que praticam tais coisas. Tu, ó homem, que condenas os que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?
O “homem” a quem Paulo se dirige deve ser entendido como
sendo todo e qualquer homem. Paulo, tendo explicado na última parte do capítulo
1 os pecados aos quais o mundo se entrega (note o contexto!), diz agora que todo
e qualquer homem que condena estes pecados, enquanto praticando os mesmos, é
indesculpável. Podemos esperar o julgamento de Deus sobre nós, se vivemos nos
mesmos pecados que condenamos nos outros! O ponto de Paulo é também advertir
contra o julgamento hipócrita – uma advertência que todos precisam. Contudo, o
texto não nos proíbe de julgar corretamente!
Passagens que nos ordenam julgar
João 7:24
Outras passagens da Escritura nos ordenam
positivamente a julgar. Uma passagem que faz isso claramente é João
7:24. Ela se encontra no contexto da discussão de Jesus com os judeus
que questionaram sua doutrina, e tinham-no acusado de ter um diabo (João
7:20) e de quebrar o dia do Sábado curando um homem (João 5:1-16). A
eles Jesus diz: “Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta
justiça.” Ao dizer “não julgueis”, Jesus não pretende proibir o
julgamento como tal, mas proibir certo tipo de julgamento, como a parte
positiva deste versículo deixa claro. Podemos julgar, mas quando o
fizermos, devemos julgar justamente.
O julgamento exterior e superficial—isto é, julgar
simplesmente sobre a base do que parece
ser o caso, sem conhecer todos os fatos—é um julgamento imprudente, injusto e
sem discernimento, que é contrário ao nono mandamento da lei de Deus. Deus odeia
tal julgamento. O julgamento justo é feito usando a lei de Deus como o padrão
pelo qual discernimos se o que parece ser é o caso é realmente o caso.
1 Coríntios 5
1 Coríntios 5 é um capítulo importante com respeito ao dever
positivo de julgar. Primeiro, no versículo 3 Paulo declara, sob a inspiração do
Espírito, que ele tinha julgado um membro da igreja em Corinto que estava
vivendo no pecado de fornicação. Seu julgamento foi “seja entregue [tal pessoa]
a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no Dia do
Senhor Jesus” (ARC). Este é um julgamento ousado da sua parte.
Segundo, nos versículos 9-13, Paulo lembra aos santos do seu
dever de julgar as pessoas que estão dentro da igreja, quanto a se eles estão
obedecendo ou não à lei de Deus. Aqueles que alegam ser cristãos e são membros
da igreja, mas que são julgados como sendo impenitentemente desobedientes a
qualquer mandamento da lei de Deus (cf. vv. 9-10, que não é uma lista
exaustiva), devem ser excluídos da comunhão da igreja. Paulo, sob a inspiração
do Espírito, diz para a igreja não tolerar pecadores impenitentes.
Outras passagens
Outras passagens também indicam que é nossa responsabilidade
julgar. Jesus pergunta às pessoas em Lucas 12:57: “E por que não julgais também
por vós mesmos o que é justo?”. Jesus repreende os escribas e fariseus em Mateus
23:23 e Lucas 11:23, dizendo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois
que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais o mais
importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer
essas coisas e não omitir aquelas” (ARA, ênfase adicionada). Era o dever deles,
de acordo com a lei, julgar—mas eles tinham falhado neste dever. Paulo orou para
que o amor dos filipenses “aumentasse mais e mais em pleno conhecimento e toda a
percepção” (Filipenses 1:9). Ele diz aos coríntios: “Falo como a criteriosos;
julgai vós mesmos o que digo” (I Coríntios 1:15).
Conclusão
Algumas passagens da Escritura parecem proibir o julgamento,
enquanto outras claramente exigem isso. Estudando os contextos daquelas que
parecem proibir o julgamento, descobrimos que o que é proibido não é realmente o
julgamento em si, mas sim um tipo errôneo de julgamento. Deus odeia o julgamento
hipócrita! Mas Deus ama o julgamento justo da parte dos seus filhos. Que ele ama
isso é claro a partir do fato de ordenar que o pratiquemos, e de ter dado sua
lei como um padrão pelo qual podemos cumprir tal mandamento.
Portanto, é o dever do cristão julgar.
Uma Explicação Positiva Deste Dever
O que é julgar?
Julgamento envolve dois fatores principais.
Primeiro, envolve um pronunciamento com respeito a se algo é
certo ou errado. Isto é ser crítico. De fato, o substantivo
“juiz” no Novo Testamento da nossa Almeida Revista e
Atualizada é, na maioria das vezes, a tradução do
substantivo grego kritees, do qual derivamos nossa
palavra “crítico.”
Ao ser crítico, uma pessoa faz várias coisas. Primeiro, ela
observa uma ação ou ouve uma opinião de outra pessoa. Segundo, ela avalia o que
observou, considerando os aspectos ou implicações positivas e negativas da ação
ou opinião. Terceiro, ela chega a uma conclusão e expressa uma opinião com
respeito a se o que observou é bom ou ruim. Para usar o exemplo de um juiz que
deve adjudicar um caso criminal, diríamos que ele primeiro recebe a evidência
contra o acusado, então pesa a evidência, e finalmente expressa sua conclusão
com respeito à inocência ou culpa do acusado.
O segundo fator principal envolvido no julgamento é aquele da
sentença. Se o juiz descobre que o acusado é culpado do crime, então ele
sentencia-o a um castigo apropriado. Se o juiz descobre que o acusado é
inocente, então o deixa livre de castigo. Ordenar a libertação de alguém que foi
absolvido também é uma sentença: a pessoa inocente merece viver.
Ao dizer que o cristão deve julgar, temos em mente
primariamente o primeiro sentido de julgar, ou seja, o de decidir o que é certo
e o que é errado. Todo julgamento cristão deve envolver tal determinação.
Contudo, somente em poucos casos nosso dever de julgar envolverá também
pronunciar uma sentença. Por exemplo, quando um conselho excomunga um pecador
impenitente da igreja, uma sentença é pronunciada – uma de morte, de vida
apartada de Deus, de exclusão também do céu (Mateus 16:19). Mesmo em tal caso,
esta sentença é sempre dependente da impenitência continuada do pecador. O
conselho nunca a pronuncia absolutamente, pois Deus é o juiz supremo que dá a
sentença final. Em muitos casos, o cristão que julga se as ações de outro são
corretas ou erradas, deve deixar a sentença com Deus. O motivo disso é que,
embora todos nós pequemos e mereçamos morrer por causa dos nossos pecados,
Cristo suportou a sentença de morte pelos pecados dos filhos de Deus, sendo
que ele não suportou este castigo por aqueles que não são filhos de Deus. Deus
sentenciará ao castigo eterno aqueles que não são seus filhos, e à vida eterna
aqueles a quem Cristo redimiu.
O que devemos julgar?
Não podemos julgar algumas coisas. Se uma outra pessoa é
eleita ou não, ou se a fé que ela professa é genuína ou não, é conhecido somente
por Deus, e não nos é revelado (I Timóteo 2:19). Alguns podem objetar dizendo
que podemos de fato determinar se a fé de outra pessoa é genuína ou não, pois
podemos julgar pelas obras que tal pessoa realiza; pois a verdadeira fé produz
boas obras (Tiago 2:18, 26), e boas árvores não podem produzir mal fruto, nem
árvores más produzir bom fruto (Mateus 7:18). Contudo, ao dizer isto, a pessoa
deve estar certa que está olhando para o fruto, não simplesmente para o
fruto num grau que nem todo filho de Deus sempre produz. Pois, embora
todo filho de Deus de fato produza bom fruto, permanece o fato que todo filho de
Deus sempre dá evidência da corrupção da sua natureza pecaminosa, a qual
permanece nele at�� a morte.
Porque não conhecemos os corações dos outros, não devemos
julgar motivos secretos (1 Coríntios 4:5). É Deus quem julgará estes.
Somos proibidos também de julgar outros em coisas
indiferentes (Romanos 14). Se a consciência de alguém lhe acusa ao fazer
algo que eu faria normalmente, não posso julgá-lo como errado, conquanto
suas ações não sejam contrárias à lei de Deus. Quer comamos ou não,
bebamos ou consideremos um dia como santo, nossa escolha deve ser
motivada pela fé e amor ao Senhor, e não devemos condenar as ações de
outros em questões que são indiferentes. Sobre isso, Paulo diz em
Romanos 14:13: “Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário,
tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão.” O
ponto de Paulo é que não podemos condenar a prática de um irmão cristão
como errônea simplesmente porque não a praticaríamos desta forma.
Positivamente, devemos julgar se as práticas ou ensinos de
outros estão de acordo com a lei e Palavra de Deus.
Que devemos nos precaver dos falsos profetas já foi
mencionado (Mateus 7:15). Eis o nosso dever: “Não deis crédito a qualquer
espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos
profetas têm saído pelo mundo fora” (I João 4:1). Devemos nos guardar contra
aqueles enganadores e anticristos que “não confessam Jesus Cristo vindo em
carne”; e não devemos receber em nossas casas aqueles que ensinam falsa doutrina
(II João 7, 10). Todos estes textos falam do nosso dever em distinguir a verdade
da mentira. Nosso padrão neste respeito é Cristo e a Escritura, pois Cristo é a
verdade (João 14:6), e a Palavra de Deus é a verdade (João 17:17). Após o
cristão entender o que é a verdade e o que não é a verdade, ele deve confessar a
verdade e se opor à mentira, bem como aliar-se com outros crentes e se separar
dos enganadores.
Nosso dever com respeito às noções de outros também é clara.
Devemos julgar o pecado como sendo pecado (I Coríntios 5:1ss). Nisso seguimos o
exemplo de Jesus (Mateus 5:13ss). O padrão do nosso julgamento do pecado é a lei
de Deus, pois Cristo nos ordena julgar “pela reta justiça” (João 7:24). Julgando
o pecado, devemos também nos separar daqueles na igreja que persistem em seus
pecados (I Coríntios 5:13).
Não devemos julgar os ensinos errôneos ou pecados somente dos
outros, mas devemos julgar também nossos próprios pecados e
pensamentos errôneos. As advertências contra o julgamento hipócrita certamente
torna clara a necessidade de fazer isso. Como as nossas ações igualam-se à lei
de Deus? Como as nossas idéias se coadunam com o ensino da Escritura? Se não se
igualam, o que faremos a respeito? Condenaremos a nós mesmos, ou continuaremos
em nossos pecados, mantendo nossas idéias errôneas e insistindo que o padrão é
falho?
De quem é o dever de julgar?
Este dever de julgar cai sobre os crentes como indivíduos e
sobre a igreja como um todo.
Ele cai sobre os crentes como indivíduos, porque eles
são cristãos. Este título indica que somos participantes da unção
de Cristo – que somos profetas, sacerdotes e reis. Particularmente como
reis, lutamos contra o pecado e Satanás nesta vida (Catecismo de
Heidelberg, P&R 32). Um aspecto da obra de um rei é julgar, tanto
dentro como fora do seu reino. Dentro, ele julga se os seus súditos têm
obedecido ou não às suas leis. Fora, ele julga (discerne) quem é o
inimigo, e luta contra ele. Assim, o cristão, como rei, julga o pecado
dentro de si mesmo bem como fora de si como sendo pecado, e luta contra
o pecado e Satanás. O cristão, o filho de Deus, não hesitará em julgar
como errôneo e expressar-se contra a imoralidade que pragueja nossa
sociedade hoje. Usando a Bíblia como seu padrão, ele dirá: “Todo
assassinato, incluindo o do aborto, é errado. Toda fornicação, incluindo
a da homossexualidade, é errônea. Toda profanação do Dia do Senhor,
incluindo a prática de esportes profissionais ou colegiais, e incluindo
a compra e venda de mercadorias, é errônea.” Ele não tolera estas
coisas. Além do mais, ele deve ser consistente neste respeito. Ele deve
julgar como errôneo não somente o aborto e o homossexualismo, mas também
o assassinato de homossexuais e daqueles que praticam o aborto. Todo
pecado é errado!
Ele faz o mesmo com respeito à falsa doutrina. Ele julga como
errônea a noção de que Cristo não é o único salvador. Ele nega que o amor de
Deus irá, no final, prevalecer sobre sua justiça, e que toda pessoa será de
alguma forma salva. Ele repudia a noção de que judeus, mórmons, budistas, ou
outros grupos religiosos, têm a verdade à parte de Cristo.
A igreja como um todo deve julgar também, através dos seus
oficiais (pastores, presbíteros e diáconos). Na pregação da Palavra de Deus
pelos pastores, ela deve expor a verdade contra a mentira, o caminho correto de
viver contra o errado. Sobre a base da Palavra, o pastor deve julgar o certo
como certo e o errado como errado. Na obra de disciplina da igreja que os
presbíteros são chamados a exercer, o pecado deve ser julgado. Um membro que
cometa um pecado grosseiro contra a lei de Deus deve ele mesmo julgar isto como
sendo pecado, confessar e se arrepender. Os presbíteros devem julgar e
disciplinar aqueles que falham em confessar o seu pecado e que permanecem
impenitentes. Os presbíteros devem também guardar o púlpito, sujeitando a
pregação do pastor ao teste da Escritura, e chamando a pregação de herética, se
ela o for. Que a igreja deve julgar é evidente a partir de 1Coríntios 5, onde
Paulo ordena que a igreja julgue o pecador, e se preciso for, remova-o do seu
meio.
Como devemos julgar?
Embora seja claro que é o nosso dever julgar, a questão de
como julgar é importante.
Julgar usando um outro padrão que não a lei e a Palavra de
Deus é errado. Usando o padrão da Palavra de Deus, devemos julgar o pecado como
sendo pecado, sabendo que estamos certos mesmo que a sociedade nos acuse de
intolerância. Nosso julgamento estará então de acordo com o julgamento de Deus
no Dia do Julgamento, pois ele também usará sua lei e Palavra como seu padrão de
julgamento. (Lembre-se que neste caso não estamos falando de pronunciar uma
sentença – isto é, céu ou inferno— mas de se Deus achará ou não que certo ensino
ou ação é certo ou errado).
Julgar hipocritamente é errado. Deveríamos julgar os outros
somente após examinar nós mesmos. Isto não significa que não podemos julgar o
outro por um pecado que uma vez tenhamos cometido; antes, significa que devemos
estar certos de que nos desvencilhamos completamente do nosso pecado antes de
podermos falar aos outros do pecado deles (Mateus 7:1-5).
Algumas vezes, por orgulho, imaginamos que nunca cometeremos
os pecados que julgamos nos outros. Em outras ocasiões julgamos imprudentemente,
não tendo examinado a evidência cuidadosamente o suficiente para saber se um
pecado real foi ou não cometido. Ou podemos julgar com ignorância, julgando
ações ou idéias de outras pessoas como errôneas simplesmente porque diferem do
que sempre pensamos ser correto, sem avaliar se os nossos pensamentos estão de
acordo com a Escritura ou não. Todos os julgamentos assim são errôneos.
O julgamento apropriado deve ser feito com um espírito de
humildade, em misericórdia e prontidão para perdoar, e de acordo com a lei de
Deus. Ele requer de nós lembrar que também estaremos diante do tribunal de
Cristo. Ele é feito também com autoridade e ousadia, pois Deus nos chama a
fazê-lo, fazendo-nos participantes da unção de Cristo para que possamos julgar,
e nos dando sua Palavra como o padrão pelo qual cumprimos tal chamado.
Que incentivo temos para julgar?
O principal incentivo é o nosso amor a Deus. Por amor a ele
devemos defender sua Palavra e lei. Falhar em julgar o pecado é tolerar o
pecado. Mas Deus não tolera o pecado; antes, ele o odeia! Tolerar o aborto, o
homossexualismo e o falso ensino é negar a Palavra de Deus e mostrar ódio pelo
próprio Deus!
O segundo, e relacionado com o primeiro, é o fato de que
seremos julgados. Deus nos julgará de acordo com nossas obras, quer sejam boas
más. Julgar o mal com sendo bom nesta vida certamente trará sobre nós o seu
julgamento de condenação e destruição eterna. Julgar o mal como sendo mal trará
sobre nós o seu julgamento de inocência e vida eterna—não porque mereçamos isso
por nosso bom julgamento, mas porque nosso julgamento correto é evidência de que
o seu Espírito opera em nós todas as bênçãos da salvação, um das quais é o
privilégio de testificar a verdade.
Terceiro, somos motivos a julgar por nosso desejo pela
salvação do nosso próximo. Desejamos seu arrependimento! Desejamos sua submissão
à vontade de Deus! Desejamos que ele fale a verdade como Deus a revelou! Assim,
julgamos seu pecado como pecado, para que ele possa se arrepender. Paulo nos
instrui com respeito a isto, quando diz que o objetivo que os coríntios deveriam
ter, ao excluir o fornicador da comunhão, era a salvação do seu espírito no dia
de Cristo (I Coríntios 5:5).
Conclusão
Julguemos então pela reta justiça! Persistamos nisso!
Tal julgamento certamente trará sobre nós a ridicularização
não somente do mundo, mas também de muitos que se chamam cristãos. Ela pode
trazer sobre nós o desprezo até mesmo de irmãos ou irmãs, pais ou filhos, amigos
e amados! Julgar com reta justiça não tornará as coisas fáceis para nós nesta
vida. Não aconteceu isso com Cristo— isso o trouxe à morte de cruz.
Contudo, devemos persistir em julgar corretamente, com a
certeza que o julgamento de Deus não virá sobre nós por causa do nosso
julgamento, e com o conforto que a condenação do mundo por julgarmos
corretamente serve na realidade para a própria condenação dele no dia de Cristo.
Que o seu amor abunde mais e mais em todo conhecimento e em
todo julgamento! Aprovemos as coisas que são excelentes! Então, pela graça de
Deus, seremos instrumentos para sua glória e louvor.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto /
felipe@monergismo.com
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